e enjte, 14 qershor 2007

Brincar a armar em mau


O Miguel é um rapaz de 13 anos que pode parecer muito mau mas que é sobretudo um brincalhão quando se trata de ameaçar – diz que gosta de ameaçar na brincadeira as pessoas que conhece. Do que ele não gosta é de perder. Quando perde no futebol, por exemplo, atira a bola para longe. E quando na escola os professores o irritam diz-lhes que são malucos e atira mesas e cadeiras para o chão.

O sonho do futebol


É uma pessoa bonita e simpática, alegre, que gosta de brincar e jogar à bola além de gostar de conversar. Quando era mais novo, praticava futebol na Encarnação. Jogava como trinco (no meio campo) e é por isso que joga bem. Quando fala sobre si, o Miguel conta que a melhor coisa que lhe aconteceu foi que, quando fez 12 anos, o padrasto lhe ofereceu um computador portátil. “Fiquei muito contente porque há muito tempo que estava à espera.”

Retrato de família


Vive com a mãe, Claudina, e o padrasto, Alexandre, e com os dois irmãos mais novos: o Alexandre e a Maria. A irmã mais velha, a Nélida, estuda em Coimbra. É um bom irmão. Ajuda em casa e costuma ir buscar a irmã ao infantário enquanto a mãe ainda está a trabalhar.

Voltar à Guiné ou continuar nesta escola?


O Miguel sente falta do pai. Ele vivia na Guiné até há um ano mas agora vive do outro lado do rio e mesmo assim nunca se encontram. Como o Miguel chegou a Portugal quando tinha apenas quatro anos e não regressou à Guiné, nunca teve muito contacto com o pai. Há pouco tempo a mãe ameaçou que o ia mandar para o seu país natal. Isso aconteceu porque ele foi com amigos ao centro comercial Vasco da Gama e um deles, que gosta de roubar, foi apanhado. Todo o grupo foi levado para a esquadra e a Claudina teve de ir buscá-lo lá. No dia seguinte, zangou-se com o Miguel e fez essa ameaça. Ele ficou muito triste mas não chorou. Espera que a mãe não o mande para a Guiné embora saiba que tudo é possível.

As casas dos outros


Ele é muito popular no bairro. Os melhores amigos dele - o Almirante, o Paulo Jorge, o Silvino, o Albino - são daqui e conhece-os desde a infância. Alguns são seus primos. Ele gosta de ouvir a mãe contar como chegou ao bairro, para poder procurar uma vida melhor. Quando aterrou no aeroporto, há medida que ia atravessando a cidade pensava: “É aqui, nestes prédios, que vou viver”. Quando finalmente o táxi chegou à Quinta da Serra, as ervas junto às casas eram quase tão altas quanto na sua terra, Bissau. A Europa ficava lá for a, nos limites exteriores ao bairro. Neste, porém, a lealdade e a ajuda entre vizinhos são importantes.

A carga policial


“A pior coisa que me aconteceu foi num dia que estava a jogar futebol, alguns polícias vieram fazer patrulha e pararam em frente do campo. Puseram-nos a todos de barriga para o chão, um dos polícias pegou em mim e deu-me pontapés na boca e fiquei com a boca ferida e inchada. Senti-me muito revoltado.”

O bairro do amor


“Eu, Silvino, sou amigo do Miguel e gosto do bairro porque nasci aqui. Cá tenho a minha família, tenho o apoio escolar e tenho todos os meus colegas e amigos: Vivo aqui porque é um bairro agradável. A nossa vida aqui começou quando o meu pai, que nasceu em Cabo Verde, teve de vir trabalhar para Portugal. Passados alguns anos, a minha mãe também veio viver para Portugal. Um dia a minha mãe ficou grávida de mim e, após nove meses, eu nasci. Passados alguns anos, nasceu a minha irmã, com um problema no fígado. Há uns anos atrás a minha mãe e a minha irmã queimaram-se com água quente e a minha irmã ficou cinco meses internada. Quando ela saiu foi a minha mãe a ser internada logo de seguida e, enquanto ela esteve no hospital, eu e os meus irmãos ficámos com a minha outra irmã mais velha. Quando a minha mãe saiu do hospital, entrei para a quarta classe. Nesse mesmo ano, fui à minha terra natal, que é a ilha da Praia. Passei dois meses em Cabo Verde e fiz lá os 13 anos. Foi muito fixe!”

Amigos no À Bolina


“Na Quinta da Serra existe um projecto que se chama À Bolina. É lá que estão inscritos mais de metade dos meninos da Quinta da Serra e passam o tempo a fazer os trabalhos de casa, a brincar e a divertir-se. Este projecto está a decorrer desde Dezembro. Serve para os alunos recuperarem as notas e até já recuperaram imensos alunos desde que começou. As monitoras, Catarina e Ângela, e também o Bernardo trabalham muito por isso. Eu acho que este projecto é óptimo para um bom enriquecimento escolar”.

Acordar estremunhado


“Vou sempre para a Escola Bartolomeu Dias, em Sacavém, com o Miguel. Chego a casa dele às 7h45 e fico lá à espera quase 30 minutos. De vez em quando aindo o encontro a dormir. Já vi os professores dele mandarem-no para a rua porque ele e os colegas estão sempre à luta dentro da sala e metem pipas nas portas para não terem aulas.”

Vira-caixotes


“No dia de Natal do ano passado resolvemos festejar. A minha mãe arranjou champanhe e arranjei um CD para ouvir música. Os meus amigos sugeriram que fossemos até fora do bairro, aos prédios. Fomos todos e andámos a virar caixotes do lixo. Até que a polícia apareceu. Corremos em várias direcções mas os polícias apanharam quatro de nós. O Bundex, um dos meus melhores amigos, foi apanhado e seguiu para a esquadra num dos carros da polícia. Nós fomos para casa mas à noite os pais dos meus amigos tiveram de ir buscá-los à esquadra.”

Amor&Hi5


"Ele também tem namoradas. São as raparigas que pedem para conhecer o Miguel apesar dele ser muito agressivo para elas. Hoje no intervalo estive com ele. Umas amigas dele estavam sempre a chatear-nos mas nós corremos até apanharmos algumas delas. Obrigámo-las a ajoelhar e a pedir muitas desculpas. O Miguel é o rapaz da Quinta da Serra com mais amigas no Hi5.”

Desfocados


“Convidaram-nos para participar numa maratona fotográfica que ilustrará a nossa vida no bairro. Como só podiam participar três pessoas, todos concordaram que o Miguel seria a personagem principal da nossa história. Um dos dias, tivémos de ir à Costa da Caparica, aos Amigos da Costa. Chegámos lá e ficámos cinco minutos à espera a apanhar banhos de sol e depois fomos jogar matraquilhos. Estiveram a explicar-nos como é que se utilizam as máquinas Lomo. Mostraram um vídeo e foi muito fixe. Enquanto esperávamos que o homem acabasse de explicar, o Miguel esteve todo o tempo a gozar. Como não tivémos tempo de almoçar antes, depois fomos ao supermercado comprar comida. Quando estávamos a sair, o Miguel viu uma senhora estava cheia de compras e perguntou-lhe se precisava de ajuda. A senhora respondeu que não mas disse que, ao menos, ele era simpático.”

e hënë, 28 maj 2007

Entrevista à mãe do Miguel


Para saber mais sobre o Miguel a equipa Polom foi conhecer a família dele. Falámos com a mãe. A entrevista que se segue foi feita em sua casa por todos os membros da equipa e com a participação do Miguel. A foto é do album de família e foi tirada na Guiné, quando a irmã do Miguel, a Nélida, era bebé.

Equipa Polom (EP) - Como se chama?
Claudina Mendes (CM) - Claudina Baticã Ferreira Mendes
EP - Quantos anos tem?
CM - 40 anos.
EP - Quantos filhos tem?
CM - Tenho quatro filhos.
EP - Como se chamam e quantos anos têm?
CM - Nélida Miguel Ferreira Mendes (15 anos), Miguel Mendes Junior (13 anos), Maria Aniquela Ferreira Forbes (3 anos), Alexandre Ferreira Soares Forbes (1 ano).
EP - Porquê veio para cá?
CM - Para poder procurar uma vida melhor.
EP - Há quantos anos está cá?
CM - Há 11 anos.
EP - Em que cidade viveu na Guiné?
CM - Em Bissau.
EP - É filha de quem?
CM - Albino Baticã Mendes e Penan Mendes.

e martë, 22 maj 2007

O campo de futebol


Este campo é o centro da vida dos jovens do bairro. Foi lá que, há cerca de um ano, o Miguel e outros adolescentes e pré-adolescentes viveram uma experiência dolorosa com a polícia.

Casas de ontem... e uma casa de hoje


No Bairro da Quinta da Serra vivem cerca de 1600 pessoas em casas precárias. Neste momento há um projecto urbanístico para a Quinta da Serra cuja construção o promotor imobiliário quer começar no início de 2008. O processo de demolição de casas já foi iniciado entretanto. Metade da população aqui residente não está abrangida pelo Programa Especial de Realojamento pelo que muitas pessoas - emigrantes sobretudo - encaram com apreensão o seu futuro.

Olhar o bairro


Miguel é um olhar na primeira pessoa sobre o bairro da Quinta da Serra. Um rapaz de 12 anos, filho de imigrantes guineenses, descreve a chegada ao bairro através de testemunhos da família. Fala da saudade da Guiné e fala também da carga policial no campo de futebol, do dia em que o padrasto lhe ofereceu o computador, do dia a dia no bairro e na escola. Por detrás da sua história aparecem as de Alina, Ana Francisca e Silvino que, na apropriação da história de Miguel, contam as próprias histórias.

Polom


No Bairro da Quinta da Serra vivem sobretudo guineenses e cabo-verdeanos. Miguel, o herói da nossa história é guineense. O Silvino, a Alina e a Ana Francisca são de origem cabo-verdeana. Quando escolhemos o nome Polom foi em homenagem ao grupo Polom, dinamizado por Valentim Gonçalves, amigo de longa data desta comunidade. Mas o que é Polom? Na Guiné, a árvore "polon" em crioulo, poilão em português, é muito conhecida e comporta um simbolismo religioso-cultural profundo. É debaixo da "polon" que têm lugar actos importantes da vida das pessoa e da comunidade. Na Quinta da Serra é no Salão Polom que funciona o projecto À Bolina.

e hënë, 21 maj 2007

A nossa história


Quando o Escolhas nos convidou para participar a viver estes "Dias de Imagens" falámos com a Ana Francisca Lopes, a Alina Moreira, o Silvino Tavares e o Miguel Mendes Júnior que trouxeram a sua alegria e fizeram da partilha a chave do projecto logo desde o início. No primeiro dia partilhámos biografias, confidências, sorrisos e alguma comoção. Falámos das coisas boas e das coisas más que nos aconteceram a todos. O Zé Carlos, o coordenador do À Bolina, e a Carmo, de A Voz da Quinta, integraram-se naturalmente na equipa e foram aceites com confiança. Por isso quando nos confrontámos com o facto de cada equipa ser composta por apenas três membros sentimo-nos aflitos. Incluir era a nossa experiência partilhada. A procura de uma solução - acreditamos nisso - tornou-se uma inspiração. E foi assim que o Miguel se tornou o nosso herói e herói da nossa história.

"Miguel": o making of


A Fundação Calouste Gulbenkian, no quadro do fórum cultural O Estado do Mundo, quer fazer uma reflexão aprofundada sobre o estado cultural do planeta, fez uma parceria com o ACIDI (através do Programa Escolhas), procurando fomentar uma relação de proximidade com as diversas comunidades imigrantes existentes no território nacional. O À Bolina, para o projecto Dias de Imagens - uma maratona fotográfica com máquinas LOMO - ilustrará a história do Miguel, baseada no quotidiano dos jovens do Bairro da Quinta da Serra. A construção do storyboard, a que se seguirá a maratona fotográfica no dia 1 de Junho, é fixada através deste making of.